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sábado, 21 junho , 2025

Violência policial: o despreparo e a truculência como norma inaceitável

Foto:Edson Lopes Jr/A2 FOTOGRAFIA

A Polícia Militar de São Paulo, que deveria ser um bastião de segurança e proteção para a população, tem se tornado, cada vez mais, um símbolo de medo e brutalidade. Os recentes episódios de violência policial — como o arremesso de um homem de uma ponte, o tiro pelas costas de um suspeito em um supermercado e a execução de um estudante de medicina desarmado — revelam não apenas falhas operacionais, mas um sistema falido, enraizado em despreparo, abuso de poder e a total incapacidade de agir com equilíbrio e discernimento.

Quando a força policial, que deveria ser fria e calculista em seus procedimentos, age com impulsividade e truculência, o resultado inevitável é a morte de inocentes e o fortalecimento de uma cultura de violência sistêmica. A arma de fogo, que deveria ser o último recurso em situações extremas, tem se tornado a primeira e única solução na abordagem policial. Isso não é um acaso: é o reflexo de uma corporação mal treinada e sem mecanismos eficazes de controle, respaldada por uma gestão que fecha os olhos para essa realidade.

Despreparo: a raiz da violência policial

O despreparo da Polícia Militar não é um problema recente. Há décadas, o treinamento policial no Brasil prioriza o enfrentamento bélico em vez da mediação e da desescalada de conflitos. Policiais são instruídos a ver a população como inimiga, a reagir com agressividade ao menor sinal de desafio e a recorrer à violência como padrão. O resultado? Uma força policial que mata mais do que muitas guerras e que, em vez de proteger, semeia terror e desconfiança.

O caso do estudante de medicina morto na Vila Mariana é um exemplo escandaloso desse despreparo. O jovem estava visivelmente alterado e precisava de contenção, não de execução. Policiais preparados teriam utilizado técnicas de desescalada, armas não letais, ou mesmo um simples diálogo para neutralizar a situação. Em vez disso, optaram pela solução mais covarde e definitiva: uma bala disparada em um momento de puro descontrole emocional e falha de julgamento.

Essa tragédia poderia ter sido evitada. A tecnologia e os protocolos para lidar com essas situações existem. Armas de choque (tasers), sprays de pimenta e técnicas de imobilização não letais são amplamente utilizadas por forças policiais em países que respeitam a vida dos seus cidadãos. A pergunta que devemos fazer é: por que a PM-SP não utiliza esses recursos? Por que a vida de um jovem é menos importante do que a conveniência de um policial mal treinado?

Foto: Ricardo Almeida/SESP-PR

A inércia das autoridades: um descaso que mata

Diante desse cenário desolador, a postura das autoridades estaduais revela uma indiferença criminosa. O governador Tarcísio de Freitas, em um primeiro momento, desprezou a importância das câmeras corporais, afirmando que elas não ofereciam segurança efetiva ao cidadão (G1). Somente após a repercussão negativa dos casos de violência policial e a pressão pública, ele voltou atrás e reconheceu a necessidade das câmeras, admitindo que estava errado (Reuters).

Essa mudança de postura não apaga o fato de que a decisão inicial contribuiu para a perpetuação da violência. A falta de câmeras corporais cria um ambiente de impunidade, onde policiais se sentem livres para agir sem escrutínio. A resistência às câmeras reflete o desejo de manter a opacidade das operações e a proteção de uma corporação que não deseja ser monitorada.

O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, conhecido por seu discurso linha-dura, também fracassa em conter a violência policial. Apesar de sua retórica de combate ao crime, sua gestão tem sido marcada por uma escalada de mortes causadas pela PM e uma ausência de políticas eficazes para punir abusos (O Globo). A defesa de uma postura agressiva por parte da polícia apenas reforça a cultura de truculência e abuso de poder.

Câmeras corporais: um passo óbvio e necessário

Diante dessa epidemia de violência policial, a adoção de câmeras corporais é uma medida tão óbvia quanto urgente. Essas câmeras não são apenas ferramentas de monitoramento; são dispositivos de responsabilização e justiça. Nos locais onde foram implementadas, houve redução drástica nos casos de violência policial e uma melhora na relação entre a polícia e a sociedade.

Manter a resistência às câmeras só pode ser interpretado como um desejo de sustentar a impunidade. Se policiais estão agindo corretamente, por que temer a transparência? A brutalidade prospera nas sombras, e qualquer luz lançada sobre essas operações expõe a podridão de um sistema que insiste em não mudar.

Rovena Rosa/Agência Brasil

Truculência: uma cultura que deve ser extirpada

A violência policial não é um desvio; é uma política implícita. A truculência está enraizada na cultura policial brasileira, onde a força é vista como sinônimo de autoridade. Policiais que deveriam ser treinados para proteger são doutrinados a agredir. A sociedade brasileira aceita passivamente esse comportamento, muitas vezes justificando os abusos como “casos isolados” ou “erro humano”. Mas quantos cadáveres são necessários para que admitamos que não são casos isolados, mas um padrão mortal e sistemático?

É inadmissível que em pleno século XXI, com tantas ferramentas disponíveis para neutralizar ameaças sem letalidade, a polícia ainda recorra ao gatilho fácil. Cada disparo equivocado é uma sentença de morte injustificada e um atestado de falência do sistema de segurança pública.

O momento

O momento exige uma reforma profunda e urgente da Polícia Militar. Não se trata apenas de substituir armas letais por não letais ou de implementar câmeras corporais; trata-se de reconstruir a polícia a partir do zero. Precisamos de uma polícia que priorize a preservação da vida, que veja cada cidadão como alguém a ser protegido, e não como um alvo em potencial.

É hora de acabar com a cultura de impunidade, responsabilizar policiais violentos e exigir preparo técnico e emocional de quem carrega uma arma. A polícia deve ser um símbolo de segurança, não de morte. Sem essa mudança, continuaremos contando corpos e lamentando vidas perdidas pela incompetência e brutalidade daqueles que deveriam nos proteger.

Cada vida ceifada pela violência policial é uma mancha indelével na nossa sociedade. Não podemos mais permitir que o despreparo e a truculência sejam as marcas da nossa polícia. A mudança é urgente. A vida dos cidadãos brasileiros merece mais respeito do que o dedo nervoso de um policial despreparado.

Julio Medeiros

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