O recente anúncio de renúncia de Boris Johnson da posição de Primeiro-Ministro (PM) do Reino Unido, apesar de parecer desconexo da realidade brasileira, traz similaridades e disparidades ao cenário que se encontra em território nacional.
Fruto na mesma onda conservadora que impulsionou nomes como Donald Trump e Jair Bolsonaro (PL), Johnson guardava algo com seus pares americano e brasileiro: a noção de ser um outsider, distante da velha e cansada política dita “tradicional”.
Conservador — e tão controverso quanto Trump e Bolsonaro —, o Governo de Boris Johnson tem um sabor já conhecido por brasileiros: o da polêmica. E elas não faltaram nesses anos à frente do número 10 da rua Downing Street.
Johnson esteve à frente de um governo controverso
Dentre as diversas crises, marcas do Governo Johnson, a que talvez tem maior destaque, ao menos internacional, são as festas promovidas no escritório oficial e residência do Primeiro Ministro, no que ficou conhecido como Partygate, ainda durante a fase mais restritiva da quarentena devido à Covid-19 na terra da rainha.
Apesar de diferir de Bolsonaro, no que se refere ao negacionismo da vacina, a opinião pública britânica não gostou nem um pouco da ambivalência do Primeiro Ministro.
Mesmo agindo com relativa prudência em relação às medidas restritivas e sendo favorável a vacina — afinal, a Universidade de Oxford, que fica no Reino Unido, foi uma das primeiras a apresentar uma vacina eficaz contra a doença — Johnson viu sua já cambaleante governabilidade ruir pouco a pouco desde a revelação das festas.
Outra polêmica foi a implementação de uma política de “exportação de imigrantes” do Reino Unido para Ruanda, no continente africano, sob a justificativa de dificultar a atuação de organizações criminosas que praticam tráfico humano, mas que soou como uma sinalização clara da tentativa de agradar o eleitorado que levou Johnson ao poder.
Diferentemente do Brasil, no Reino Unido, a governabilidade vem através de índices de popularidade, uma série de “acordos” internos em cada partido, bem como externos com a House of Commons — um equivalente a nossa Câmara dos Deputados. Do Reino Unido a cadeira do Primeiro Ministro é menos estável que brasileira.
O mundo dos gestos
Outro fator que nos diferencia dos britânicos está na alternância do Chefe de Governo: basta que se perca a maioria do parlamento para que o Primeiro Ministro perca o que Johnson chamou de “melhor emprego do mundo”.
Contudo, algo que une o Brasil ao Reino Unido — e de certa forma, todo o universo político — é o fato de que a política é feita de gestos; é o universo no qual cada gesto conta.
Quando um vereador distribui dentaduras, quando um deputado sobe num palanque ou quando um presidente vai a motociadas, cada um deles age politicamente e toma um lado.
O mundo de memes e dancinhas online muitas vezes embaça a visão para o mantra que é vital à sustentação de cargos políticos: na política é preciso pensar antes de agir.
Mais do mesmo?
O cenário político do Reino Unido, principalmente quando se trata do partido Conservador, parece, inclusive viver um déjà vu: todos primeiros-ministros do partido sobem ao poder sob a promessa do estável, do comedimento e sob a égide de representarem o ideal britânico.
Contudo, Harold Macmillian (1957-1963) caiu por um escândalo sexual envolvendo John Profumo (equivalente ao ministro da defesa brasileira); Alec Douglas-Home (1963-196) caiu por seu esnobismo e distância da realidade britânica; Edward Heath (1970-1974) não foi capaz de lidar com as greves; e Margaret Thatcher (1979-1990) se viu abalada por uma impopularidade recorde, principalmente pelo desmonte do Estado de Bem-Estar social e medidas impopulares no campo social e econômico.
Esses nomes guardam justamente antítese dos ideais do Partido Conservador e caem por uma espécie de ironia de princípios.
Boris Johnson parece repetir a receita do partido e deixa o cargo sob intensa reprovação e com um Reino Unido com fortíssima recessão econômica e a inflação mais alta em 40 anos, que atinge principalmente as camadas mais pobres de sua população, que ameaçam greves generalizadas.
Renovação?
Em uma análise mais grosseira da política ao redor mundo, parece que, cada vez mais, o modelo neoliberal e conservador, tanto economicamente quando no campo dos costumes, se mostra mais e mais cansado — mesmo que cada caso seja um caso.
Eleitos, em sua maioria, sob a bandeira da renovação política e, no caso brasileiro, sob a anticorrupção, a direita mundial tem se mostrado incapaz de gerir a coisa pública de maneira a manter sua posição política e apoio popular: falham em ambos.
Crentes em um Estado mínimo e na economia de mercado, esses políticos não estavam preparados para um cenário incerto e problemático do pós-covid: alta na inflação puxada principalmente pelo preços dos alimentos e desestabilização econômico-produtiva causada pela Guerra na Ucrânia e pela quarentena de Pequim.
Como resultado, políticos tanto do centro quanto da esquerda ganham notoriedade por prometerem o inverso do espectro representado por Johnson, Bolsonaro ou Trump.
Joe Biden, nos EUA, Gabriel Boric, no Chile, Gustavo Petro, na Colômbia e Anthony Albanese, na Autrália: todos esses nomes ganharam suas respectivas eleições a partir da promessa de um estado interveniente, principalmente para a população mais pobre.
É nesse mesmo tom que Lula (PT) tem encontrado base e as pesquisas apontam o favoritismo em seu discurso.
Sendo a política o campo dos gestos, esperemos pelo pleito brasileiro em outubro: Bolsonaro que se cuide — a despedida agora parece sair de Londres e chegar cada vez mais perto do Palácio da Alvorada.