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sexta-feira, 21 março , 2025

Novos surtos de Covid-19 levantam dúvidas sobre eficácia da Coronavac

Especialistas alertam que alta nos casos de Covid-19 em países que utilizaram Coronavac tem principal fator o comportamento da população.
Vacinação contra Covid-19

Depois de novos surtos de Covid-19 em Israel, Chile e Uruguai, todos com altas taxas de imunização, a eficácia de vacinas aplicadas tem sido questionadas. O problema parece maior no Chile e Uruguai, países tem mais casos e mortes e aplicaram mais doses da Coronavac que a de outros fabricantes.

A Coronavac foi desenvolvida numa parceria entre o laboratório Sinovac e o Instituto Butantã. O imunizante foi um dos primeiros a ser desenvolvidos e aprovados no Brasil.

Vacina Coronavac
Vacina Coronavac desenvolvida pelo consórcio entre a Sinovac e o Instituto Butantã. Foto: Hélia Scheppa/SEI

Além disso, a Coronavac foi a vacina mais aplicada no Brasil até meados de meio desse ano, quando foi ultrapassada pela AstraZenica.

Repetidamente atacada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a Coronavac foi um dos orgulhos do governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB). A briga entre os dois chefes de Executivo se deu principalmente por motivos ideológicos. Com os novos surtos de Covid-19, a briga subiu novamente de tom.

Contudo, ao questionar a eficácia da vacina, o presidente mina ainda mais sua imagem pública, principalmente depois dos fatos levantados pela CPI da Covid, que apontam corrupção na compra das vacinas.

Como a Coronavac combate a Covid-19

A “receita” da Coronavac é relativamente simples: a fim de estimular a criação de anticorpos, o vírus inativo é inoculado no paciente em duas doses. Embora a informação assuste, a inativação do vírus da Covid-19 impede que ele se multiplique e faça com que a pessoa desenvolva a doença.

15 dias depois, a segunda dose pode ser tomada para completar a imunização, como informou a própria Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

Vacinação Covid-19
O período entre as doses com a Coronavac é de 15 dias. Foto: Igor Santos/SECOM

A fórmula de desenvolvimento da Coronavac já é amplamente conhecida, e é utilizada no desenvolvimento de vacinas como a da gripe. No caso, as vacinas aplicadas pelo Sistema Único de Saúde oferecem proteção contra 2 subtipos do influenza A, o H1N1 e o H3N2, e 1 subtipo do influenza B(Brisbane).

A origem e rapidez no desenvolvimento da vacina da Covid-19, contudo, foram um dos principais entraves na aplicação da vacina. Incentivados por ondas de fake news, muitas pessoas passassem a “escolher” qual vacina tomar. Por conta dessa seleção, a ausência para segunda dose causou um retardamento no programa de imunização.

O novos surtos de Covid-19

O alerta surgiu quando número de casos, internações e óbitos por conta da Covid-19 aumentaram no Chile entre o mês passado e esse. Com esse aumento, o governo chileno cogitou aplicar uma terceira dose da vacina. Das quase 23 milhões de doses aplicadas no país, mais de 17 milhões são da Coronavac.

Mas, com os novos surtos, a eficácia tem sido questionada, principalmente pelo governo e apoiadores do presidente Bolsonaro. Em live na primeira semana de julho, o presidente fez referência indireta ao governador de São Paulo, João Dória, e levantou dúvidas sobre a vacina.

Bolsonaro volta a criticar Coronavac
Em live transmitida pelo Facebook, o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar a Coronavac

“Abre logo o jogo. Eu estou aguardando aquele cara de São Paulo falar […] Não deu certo essa vacina dele infelizmente no Chile. Aqui no Brasil também parece que está complicado.”, disse o presidente em live transmitida em sua página no Facebook.

Em decorrência dessas novas dúvidas, pesquisadores uruguaios realizaram estudo que demonstrou desempenho um pouco inferior da Coronavac em relação à Pfizer, também aplicada no país.

As possíveis causas

Contudo, especialistas apontam para outras variáveis que acabam não sendo contadas na divulgação dos dados. Isso porque o aumento do fluxo de pessoas, por exemplo, tem influência no aumento do contágio e, consequentemente, no número de óbitos.

Tanto Israel quanto o Chile haviam flexibilizado algumas das medidas de distanciamento social. No caso israelense, o uso de máscaras em locais públicos já havia sido liberado, embora com o aumento de casos a medida possivelmente seja reimplantada.

Flexibilização do distânciamento social
Com a flexibilização de medidas como o distanciamento social e uso de máscaras, o vírus volta a circular.

Outro fator que pode também justificar os novos surtos é a porcentagem de pessoas vacinadas, a cobertura vacinal. O número considerado ideal pela maior parte dos governos e entidades de saúde é de 67%. Uma vez que nenhuma das vacinas é 100% eficaz, o número divulgado tem sido de 70%.

Porém, a reduzir casos graves e óbitos também pode ser por si só uma vitória, na visão de especialistas.

“É de celebrar que essas vacinas esvaziem os hospitais e reduzam as internações.”, afirmou o Carlos J. Regazzoni, médico argentino especializado em bioestatística à Folha de São Paulo.

Ainda assim, o objetivo da vacinação como um todo é a redução significativa da transmissão da doença.

“A chegada das novas variantes, especialmente a delta, que se mostra mais contagiosa, aponta que apenas reduzir a possibilidade de a pessoa ficar doente não basta. É preciso frear o vírus. Se ele continua circulando, ainda que a letalidade seja menor, isso vai ser ruim no longo prazo, pois a circulação vai gerar outras variantes que podem começar a aposentar algumas vacinas”, completou Regazzoni.

Outro fator que não é considerado na divulgação principalmente de notícias falsas é a falha vacinal, que, no caso das vacinas contra Covid-19 gira entorno de 1% a 2%.

Isto é, mesmo após a imunização em duas doses, uma parcela da população pode contrair a doença e eventualmente vir à óbito. O alarde criado por conta da falha vacinal por si só não considera os outros 98% a 99% das pessoas que são, de fato, imunizados contra a doença.

Hospitais e sala de internação covid-19
Com maiores taxas de vacinação, o número de internações cai e desafoga o sistema de saúde. Foto: Divulgação Governo do Estado de São Paulo.

As correntes, divulgadas principalmente por aplicativos como WhatsApp e Telegram, ressaltam a prevalência das mortes mesmo após a imunização, ignorando a falha vacinal. Os divulgadores desse tipo de conteúdo apoiam-se principalmente no viés de confirmação, ou seja, na busca de fatos e evidências que confirmem suas cresças: no caso, de que a vacina não funcionaria.

Os diferentes tipos de eficácia

O que é importante ressaltar é que tanto as vacinas feitas a partir do vírus inativado, quanto aquelas que usam RNA mensageiro – caso da vacina Pfizer e Moderna -, são eficazes contra casos graves e óbitos decorrentes da Covid-19. Contudo, a principal diferença tem sido a redução de casos sintomáticos e redução de reinfecções, ocasião em que vacinas como Pfizer performam melhor.

Existe ainda uma certa confusão por conta dos diferentes valores de eficácia das vacinas em notícias e notas de governo.

A Coronavac, por exemplo, teve eficácia divulgada de 50,4%, embora tenha demonstrado índices melhores, reduzindo em 96% à 98% das internações e risco de morte pela doença.

Vacinação contra Covid-19
A vacinação por si só evita casos graves e óbitos, ainda que o objetivo seja parar a transmissão do vírus.

No estudo brasileiro desenvolvido na cidade de Serrana (SP), município a 20 km de Ribeirão Preto, 95% da população adulta foi vacinada com as duas doses da vacina. O resultado foi de que, em dois meses, o número de óbitos caiu em 95%, o de hospitalizações em 86%, além de 80% de redução nos casos sintomáticos, o que indica que a Coronavac é eficaz na produção de imunização da população vacinada.

Ainda assim, mesmo em países que aplicaram majoritariamente a vacina da Pfizer, como Israel, tem enfrentado novos surtos, principalmente da variante Delta. Segundo boletim divulgado pelo governo israelense, a vacina é eficaz em 64%, no caso da variante delta, mas é 93% eficaz em casos graves e na prevenção de óbitos. E não só são eficazes, como tem reduzido as médias móveis de mortes em diversos países, como o Brasil.

Em entrevista à CNN Brasil, a infectologista Luana Araújo destacou a relevância da vacina, mesmo diante da redução apresentada pelo governo.

A médica infectologista Luana Araújo conversou com a CNN sobre a variante Delta
Entrevista da infectologista Luana Araújo à CNN. Foto: Reprodução

“Apesar de ter uma redução nesta proteção contra o adoecimento, continua sendo uma arma extremamente eficaz contra a doença grave”, afirmou a especialista.

Dessa forma, questionar a eficácia de uma vacina que tem mostrado resultados significativos, principalmente no Brasil, que já ultrapassou a marca de 500 mil mortos, acaba atrapalhando a campanha de imunização e atrasa, ainda mais, a retomada das atividades do país.

João Leite

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