Muito tem sido dito sobre a PEC Kamikase (PEC 1/22 e PEC 16/22) através da qual o Presidente Jair Bolsonaro (PL) poderia decretar “estado de calamidade de âmbito nacional” e, assim, obter autorização para furar o teto de gastos – medida implementada ainda no governo Temer. Aprovada na primeira rodada no Senado, a medida coleciona polêmicas.
A referência aos pilotos suicidas do Japão da 2ª Guerra Mundial dá cabo de duas situações: do desespero do presidente em tentar reverter o presente quadro eleitoral, completamente desfavorável a sua eleição e da incapacidade do Parlamento de agir com responsabilidade fiscal também visando o pleito de outubro.
E mais, a esse cenário, de certa feita, típico de anos eleitorais, acrescentam-se as ameaças golpistas de Bolsonaro que, embora preocupantes, ganham status cada vez mais inviável: o presidente tem perdido apoio de grupos como policiais federais, gamers e até evangélicos – que compunham uma de suas bases ideológicas.
Aumento nas benesses
A ideia do presidente com a PEC Kamikase é, através da aberração jurídica do estado de calamidade de âmbito nacional, aumentar em R$200 do Auxílio Brasil – antes, Bolsa Família e que agora passaria a ser de R$600 — além de propor auxílio financeiro para caminhoneiros (R$1.000), isenções de impostos sobre o óleo diesel e até benesses a motoristas de aplicativos.
Como destacou o professor de direito constitucional, em seu perfil no Instagram (@sigaoflavio)Flávio Martins:
“ASSIM, seja por pressão de parte dos parlamentares, seja pela pressão que a sociedade imediatamente exerceu sobre o parlamento, o maior absurdo jurídico dos últimos tempos foi retirado. […] RESTOU o inusitado ‘estado de calamidade de âmbito nacional’ decorrente da alta do preço do petróleo. Assim, todas as regras de gastos públicos foram afastadas e o Governo poderá gastar de forma ilimitada, até o fim desse ano.”
Nitidamente preocupado com sua estagnação em pesquisas eleitorais nas quais figura atrás de Lula (PT), Bolsonaro tenta uma manobra política, jurídica e orçamentária para poder criar e conceder auxílios em ano eleitoral — medida que é proibida por lei, mas que costuma ser utilizada para angariar voto, principalmente entre a parte mais pobre do eleitorado.
Em um cenário de caos econômico, com inflação que beira os 12%, puxada principalmente pela alta dos combustíveis e dos alimentos, um auxílio financeiro é um curativo em uma ferida de bala que tenta estancar uma sangria criada pelo próprio Governo Federal: a tal emergência nacional é emergência de um governo que se vê em queda livre.
O presidente sempre foi contra programas de transferência de renda
Nesse sentido, é importante lembrar que, desde o início da pandemia, Bolsonaro foi resistente à transferência de renda para a população: a proposta do Governo para o Auxílio Emergencial era de míseros R$ 200 — valor que só foi alterado por pressões da oposição.
Igualmente, no seu passado político, Bolsonaro atacou inúmeras vezes o extinto Bolsa Família e seus beneficiário: quando deputado, ainda em 2010, dizia que o auxílio era usado para compra de votos no Nordeste do país.
Em 2011, o ex-deputado federal pelo Rio também afirmou que Bolsa Família tirava “dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”.
Em 2017, Bolsonaro inclusive sugeriu o voto em outro candidato, uma vez que não iria “partir para a demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto.”
Péssima administração pública e receio da derrota pautam a agenda do presidente
Nos quatro anos de Governo Bolsonaro, que se encerram a 31 de dezembro, o presidente não só mudou de posição, como se mostrou um demagogo que tenta, sim, comprar votos com Auxílio Brasil — típico do mau-caratismo e péssima administração do patrimônio público que são marcas da sua gestão.
Administração, inclusive, que deixa uma dívida enorme aos cofres públicos, haja vista a constante farra e desmando com dinheiro público que foram sinônimos de um governo que, sob a bandeira da anticorrupção, se mostrou tão ou mais corrupto quanto qualquer outro. Que seja visto o escândalo que envolve o Ministério da Educação.
Ao fim e ao cabo, embora completamente descabida, a PEC Kamikase demonstra, sim, um mandatário sem chão ou base política, com medo da “caça às bruxas” que pode ser iniciada por Lula num cenário de vitória do petista.
Em sua lógica doentia e de megalomania, Bolsonaro age, de fato, como um kamikase: se não pode lutar essa batalha, se joga em direção à morte política na tentativa de causar algum dado ao seu inimigo. A diferença entre os aviadores e o presidente é que os primeiros lutavam pelo ideal de um Japão Imperial e expansionista. Bolsonaro tenta só salvar o próprio rabo.