Os evangélicos no Congresso Nacional vêm sendo grupo de maior relevância para as pautas e projetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em projetos como o do voto impresso e o da mudança das demarcações indígenas, o grupo foi grande parte dos votos favoráveis.
Ambas as pautas foram amplamente divulgadas pelo Planalto nos últimos meses, principalmente nas redes sociais, como grupos de WhatApp e Telegram, que são utilizados com bastante frequência por grupos cristãos — grupos onde mensagens religiosas se misturam com temas políticos.
Além disso, líderes evangélicos tem sido essenciais para as campanhas de Bolsonaro. O pastor Silas Malafaia é líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo e uma presença em redes sociais. As mensagens do pastor são veiculadas em contas no Facebook, YouTube, Twitter e Instagram, além de mensagens compartilháveis em grupos no WhatsApp e Telegram.
Malafaia foi uma das lideranças que apoiou, por exemplo, a proposta de volta ao voto impresso e é visitante frequente do Palácio do Planalto, como dito pelo próprio filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), como noticiado pelo jornal Correio Braziliense.
Em vídeo publicado no YouTube em 6 de julho desse ano o pastor diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) dá desculpas “esfarrapadas” para implementação do projeto, como o fato de “gastar muito dinheiro” e faz críticas ao sistema de contagens de voto eletrônico.
“Toda apuração de voto tem que ser pública. A apuração em segredo já é fraude. Boletim de urna só da resultado”, disse o pastor no vídeo.
Mesmo com as campanhas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso foi rejeitada pela Casa, por 218 deputados. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 3/5 de votos favoráveis na Casa, ou seja, 308 votos da Câmara dos Deputados.
Propostas que apresentam mudanças nas demarcações dos povos indígenas, por exemplo, são acompanhadas de vídeos, como o da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.
No vídeo, Damares relata sobre o ritual do Puxirum praticado em “algumas aldeias”, como relata a própria ministra sem dizer quais aldeias seriam essas.
O vídeo tem a logomarca da produtora Brasil Paralelo, também conhecida por produzir material alinhado com pautas de Bolsonaro e é amplamente divulgado em redes cristãs e bolsonaristas — quando não são ambos.
O afago é correspondido também por Bolsonaro, que promete um ministro cristão no STF que desde 2019. A promessa foi cumprida com a indicação do presidente de André Mendonça que é membro da denominação crista conhecida como presbiteriana.
Mendonça já se manifestou contrário a questões como aborto, maioridade penal, cannabis medicinal e uniões homoafetivas — no caso das uniões LGBTQIA+, Mendonça acredita que os brasileiros com “convicções religiosas” possam discordar e questionar o “homossexualismo”.
A presença de Bolsonaro, no meio evangélico, é massiva, seja pelo uso de redes de comunicação muito movimentadas, seja pela promoção de pautas do governo nos púlpitos e sermões dominicais.
“Quantos tentam nos deixar de lado dizendo que o Estado é laico? O Estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou, para plagiar a minha querida Damares [Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos], nós somos terrivelmente cristãos”, disse Bolsonaro acerca do tema.
Em consonância, Bolsonaro ressalta o fato de ser cristão. Em passeatas e cidades que o presidente passa, Bolsonaro frequentemente visita igrejas e entidades cristãs, onde recebe orações e pode falar em púlpitos. A fala do presidente em algumas igrejas é um evento.
Como votaram os evangélicos nas últimas propostas do Planalto
Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso, o Instituto de Estudos da Religião (Iser) analisou o posicionamento de 449 deputados que participaram da votação, considerando que um deles se absteve e o outro, Arthur Lira, não votou por ser presidente da Câmara.
O instituto monitora frentes parlamentares como a católica, a evangélica e as de defesa dos povos tradicionais de matriz africana. Dos 449 analisados, 191 são católicos, 80 são evangélicos, 12 são cristãos que não especificaram a linha. Espíritas são 4. As correntes espiritualista, União do Vegetal, ateia e agnóstica tem ao menos um parlamentar, segundo monitoramento.
O instituto também contabilizou 8 parlamentares que não foram identificados e 20 que não possuem religião.
Na votação da PEC, entre os que se definem como católicos, 100 votaram não e 90 votaram pela aprovação sim. Já no bloco evangélico, apenas 8 ficaram contra, enquanto 72 apoiaram o retorno do voto impresso no Brasil.
Proposta acerca das demarcações indígenas é aprovada na Câmara através de parlamentares evangélicos
A segunda proposta de Bolsonaro em que ocorreu apoio evangélico foi a das demarcações indígenas. O texto previa um marco temporal que tornaria válida apenas as demarcações que os povos nativos já usufruíam quando a Constituição de 1988 foi promulgada.
Dos 21 votos contra a proposta nenhum deles pertence a um evangélico.
Marco Feliciano (Republicanos-SP), da Assembleia de Deus, o anglicano Kim Kataguiri (DEM-SP) e Marcos Pereira (Republicanos-SP), bispo licenciado da Igreja Universal, fazem parte dos 11 representantes do segmento favorável à ideia, foi aprovada com o voto de 40 deputados.
O único deputado contrário ao projeto e que é signatário da Frente Parlamentar Evangélica é Flavio Trad (PSD-MS), no entanto ele é católico.
Episódios como o de Trad ocorrem porque muitos deputados incluem seus nomes baseados em amizades e como forma de colaboração, já que uma frente parlamentar precisa de pelo menos 171 assinaturas.
Pesquisadora explica relação da política e da religião atualmente
Magali Cunha, pesquisadora do Iser, fala o papel da religião dentro da política nos tempos atuais.
“Como a religião tem um lugar importante na cultura brasileira, ela nunca esteve fora desta relação com a política. Afinal, o catolicismo chegou por aqui com os colonizadores e até hoje exerce uma influência nos espaços de poder.”
Porém, a pesquisadora também destaca a influência dos grupos evangélicos para o crescimento político e maior representatividade da comunidade.
“[…] foi a ocupação de espaços por evangélicos a partir dos anos 1980, no Legislativo, no Executivo e, mais recentemente, no Judiciário, que levantou a atenção para esta discussão”, ressaltou.
A pesquisadora ainda acredita que tal crescimento “explode com o processo eleitoral de 2018, com as alianças religiosas em torno de Bolsonaro, que instrumentalizou, de forma inédita, a dimensão religiosa em uma campanha à Presidência”.